06 setembro 2017

apontamentos de San Francisco (4)

Foi no Japan Center que descobri a existência de bares de sushi com barquinhos, e os cozinheiros a preparar os pratos do lado de lá do canal. Um bocado kitsch, reconheço, mas quando o descobri, em 2000, fiquei fascinada. Diga-se para meu desconto que tinha filhos pequeninos, e costumava pôr os meus olhos ao nível dos deles.
Voltei ao Japan Center nestas férias, e pareceu-me uma triste sombra do que conheci há 17 anos. Uma espelunca. Querem lá ver que já nem o Japão é eterno?

Segui de lá para a Fillmore e as suas milhentas lojas pequenas e muito bem decoradas, e já que estava por ali resolvi descer as curvas da Lombard. Fui pela Broadway, tentando manter-me na crista do monte, mas à parte uma escola privada de onde estavam a sair os miúdos em uniforme - as meninas saíam de um edifício, os rapazes saíam de outro - não havia nenhum movimento na rua. Tive a triste ideia de descer para a Union, por causa das lojas e assim, e quando dei pela asneira já tinha aquelas ruas de declive impossível à frente do nariz. Subi, que remédio. A pensar que quem planeou San Francisco devia ser parente do funcionário da empresa de aluguer de automóveis que me atendeu na semana passada. "I understand que há colinas íngremes, mas nós cá só desenhamos mapas em papel quadriculado."

*

A cidade está cheia de cartazes a anunciar uma exposição de Degas na Legion of Honor. Fui ver, e não era uma exposição de Degas, era uma exposição excelente sobre o tempo dos chapéus, com alguns modelos originais desses tempos (lindíssimos!), quadros de senhoras com chapéus e do próprio trabalho de os fazer. Tinha vários quadros de Degas, e de muitos outros colegas, revelando esse lugar do universo feminino e o trabalho artístico e extenuante das chapeleiras.
Senti-me enganada, mas gostei muito da exposição.

*

Quando foi aberto, o novo museu De Young tinha um restaurante muito bom e a um preço bastante acessível. Continua bom. Já o preço...
De resto, continua um belo lugar para se passar uma tarde. A começar pela torre por cima do parque e com vistas largas para toda a cidade.
Desta vez tinha uma exposição especial com trabalhos de artistas African Americans do sul dos EUA.
E questionava a necessidade de informar que se trata de "African American". Diz que começa a ser tempo de lhes chamar simplesmente artistas.

*

Passear no Presidio, atravessar a Golden Gate Bridge a pé, por causa do calor esperar quase uma hora pelo autocarro para Sausalito, fartar-se de esperar, começar a caminhada para Sausalito, ver passar dois autocarros quase seguidos. Que importa? Apesar do calor, foi um belo passeio.
Junto à baía, olhei para uma das ruas que subia a pique pelo monte (sim, parece que também sobraram algumas folhas quadriculadas do mapa de San Francisco para planear as ruas de Sausalito). Estava demasiado cansada para sentir sequer curiosidade. Uma velhinha simpática, que estava ao lado do seu carro, viu-me a olhar para a rua e ofereceu-se para me dar uma boleia. Mas nem assim. Fiquei por ali, a conversar com ela enquanto os olhos se confundiam no emaranhado de mastros de barcos atracados.
Apanhei o ferry para San Francisco quando o sol já escorregava para a ponte, e apanhei o Cable Car de trajecto mais íngreme, e fui jantar com uma amiga - a que às vezes nos cuidava dos filhos à noite quando eles eram pequeninos, a que em vez de os meter na cama passou um serão a dançar com eles a música do Chico César (o que tinha dedicatória: "obrigado por me traduzir") com graça felina e olhos a brilhar de riso. Abençoada.


Sem comentários: