05 dezembro 2017

a manipulação das redes sociais para minar as relações nas sociedades democráticas



Dois exemplos da manipulação a que estamos sujeitos:

I.
Jan Fleischhauer, redactor do Spiegel, bastante conservador, contou recentemente num debate na ARD (pode-se ver aqui, a partir do minuto 53) que entrou no Facebook com um nome falso, escreveu a meia dúzia de líderes da AfD com actividade nessa plataforma - o que permitiu ao algoritmo identificar as "suas" simpatias políticas -, e começou a ler as notícias que o Facebook lhe mostrava. Citando Fleischhauer: este é o serviço de informação favorito de um número crescente de alemães. O seu público pensa que é um serviço de informações igual para todos os utilizadores do Facebook. Nada mais errado! Na realidade, este serviço de notícias é desenhado segundo as inclinações e as antipatias de cada um. As notícias escolhidas para "Fleischhauer, simpatizante da AfD" mostraram-lhe "um mundo onde não entra a menor réstea de sol". Começou com um vídeo recebido pela manhã no qual se via um grupo de rapazes que falavam árabe a bater num homem que gritava "socorro! socorro!" em alemão. Continuou com a notícia de um quiosque na estação ferroviária de uma pequena localidade que deixou de vender salsichas grelhadas e já só tinha espetadas de carne halal. E assim por diante, o dia inteiro. Claro que isto tem consequências nas pessoas: começam a sentir que o seu país está sob ocupação dos muçulmanos. Esses consumidores de notícias via Facebook, que estão convencidos que essas notícias correspondem à realidade do país, ao dar pela ausência destas matérias na televisão e nos jornais sérios concluem que estão a ser enganados pelos media - estes estarão com certeza a esconder deliberadamente do povo a realidade do que se passa no país.

II.
Já não há a menor dúvida de que empresas de social media ligadas à Rússia puseram a correr nas redes sociais dos EUA diversos materiais com o objectivo de desestabilizar aquela sociedade, aumentar o fosso ideológico e instalar o caos nos debates públicos.

Nas palavras de Jackie Speier, democrata californiano com assento na Câmara dos Representantes:
“America, we have a problem. We basically have the brightest minds of our tech community here and Russia was able to weaponize your platforms to divide us, to dupe us and to discredit democracy.”

Em números:
- Twitter: identificou 37.000 contas automáticas com provável origem russa. Nos três meses que antecederam as eleições nos Estados Unidos, essas contas emitiram 1,4 milhões de tweets que terão chegado a 288 milhões de pessoas.
- Facebook: entre 2015 e 2017, fontes russas terão colocado os seus materiais, sob a forma de comentários e posts, na cronologia de 126 milhões de utilizadores do Facebook.
Mais concretamente: a empresa Facebook recebeu 100.000 dólares para anúncios emitidos por agências russas. Entre Junho de 2015 e Maio de 2017 foram identificadas 470 contas russas que puseram cerca de 3.000 anúncios. Muitos deles não mencionavam os políticos - o seu objectivo era aumentar a cisão relativa a temas como tensão entre etnias, imigração ou porte de armas. Os anúncios mais ligados à política terão sido na ordem dos 2.200, pelo preço de 50.000 dólares.
- Instagram: identificou, só em 2016, 120.000 casos de materiais com objectivos de manipulação provenientes de fontes russas, que terão alcançado 20 milhões de pessoas nos EUA.
- Google: tal como o Facebook, identificou actividade da Internet Research Agency, que tem sede em São Petersburgo e ligações ao Kremlin. A empresa Youtube, que pertence à Google, encontrou e bloqueou 18 canais que estavam provavelmente ligados à campanha russa. No conjunto, eram 1100 vídeos em inglês, que tiveram 309.000 clicks nos 18 meses que antecederam a eleição de Trump.

O site UsHadrons oferece a compilação mais completa destes materiais, organizados por tema.

Repasso algumas das imagens colocadas por agências russas nas redes sociais (que, juntamente com os números atrás referidos, encontrei nos seguintes artigos: Russia-Financed Ad Linked Clinton and Satan, These Are the Ads Russia Bought on Facebook in 2016, Plötzlich sind Google und Facebook ganz kleinlaut, Russische Drahtzieher sollen bei Facebook Anzeigen geschaltet haben).

Nestas imagens, o que mais me choca é reconhecer que teria sido capaz de partilhar muitas delas. Lembra-me uma discussão antiga na casa do meu marido, durante a sua adolescência: o pai dizia-lhe que as manifestações pacifistas nas quais ele participava com tanto empenho se inseriam numa estratégia de manipulação da União Soviética. O Joachim ria-se: "pois é, lá nas manifs até costumam distribuir espumante da Crimeia e caviar...". Anos mais tarde engoliu em seco perante a revelação, depois da queda do muro, de que muitos dos grupos activistas da RFA eram liderados por elementos da Stasi.

Eis o grande desafio: como continuar a defender as causas nas quais acreditamos, sabendo que esta nossa luta está a ser instrumentalizada por inimigos da nossa Democracia?





 

 






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